final de expediente, café de tarde e trânsito denso; jornal local e novela boba.
pra ela, a luz insuportavelmente branca, que atordoa, o chão limpo, sempre liso; pra ela, a mesma ação repetida. por horas, a fio, puxando, a mercadoria, puxado, o tempo, que passa e não passa pra ela, o tique, o mesmo bipe.
"cpf na nota, senhor?"
me parecia febril, os olhos vermelhos. quem se importa? uma função. pra ela, movimentos mesmos, lacrados. a hora é extra desde que começou.
terça-feira, 30 de dezembro de 2014
a senhorinha pediu pra entrar e ajudar com o relógio. "você sabe dar corda?". Sem saber bem o que fazer, resolveu que sim, pois enfim, nada era suspeito, mas o era na medida em que são estas situações, alguém pede ajuda (que incluia entrar numa casa desconhecida), o desconhecido se dispõe e então sabe lá o que pode acontecer; quase como uma lenda urbana. isso não deveria acontecer ali. paranóia, de quem se desacostuma ser humano.
entrou. ela usava um andador. "pode ir por ali, é no final do corredor", apontando onde estaria o relógio da corda, na cozinha.
a velhinha, que tratava de maneira doce, agia com tamanho autoritarismo quando não estava falando comigo, assustava um pouco. "pode ir, fica lá". repetiu algumas vezes até que pudesse mexer e superar o fato de que era um estranho entrando numa casa estranha.
na cozinha uma mulher cortava legumes em cima da pia, fervia água, separava alguns potes. a velhinha, um misto de doçura com o estranho da rua, de estupidez com a mulher da casa.
um homem sai de um dos quartos, entra na cozinha, olha para mim.
pensei o motivo de precisar estar ali, se mais pessoas estariam na casa. "vim para ajudar com o relógio. ela me pediu", e com um sorriso tonto esperou consentimento do homem, que não parecia entender. como um bom macho, no terreno de outro. coisa de quem se acostuma a se dirigir ao "homem responsável pela casa". sem resposta. só uma expressão de condescendência.
o homem voltou para o quarto, reabriu o notebook e mergulhou de volta.
a mulher, que deixou a porta da geladeira aberta, agora deveria ouvir a bronca da velhinha por tanto desleixo. "não sabe fazer nada direito!!!". a mulher não dizia nada, mas tinha agressividade em cada gesto. ignorou a presença estranha, tinha mais o que fazer. eram duas da tarde. o almoço não estava nem na metade.
a velhinha no andador. o homem no computador. o relógio na parede.
o homem voltou, se apoiou no batente da porta que dava para o corredor, dessa vez com um riso confuso. ficou só olhando mesmo. a velhinha, "sobe nessa cadeira, é fácil. encaixe isso aqui nesse buraquinho e gire". voltou para a mulher, brigou mais alguma coisa, uma faca fora do lugar, "você não sabe fazer nada direito?!". o homem voltou. continuava olhando. o relógio estava no alto, a velhinha dera um tipo de chave, para girar a corda. corda tensionada, ponteiro ajustado no horário, duas e vinte.
"muito obrigado", a velhinha.
a mulher continuava cortando. irritada.
a velhinha, irritada com a mulher, satisfeita com o relógio arrumado, briga mais uma ou duas coisas. ou tantas já. foram só alguns minutos.
o homem, não estava irritado, não estava fazendo nada. apenas riso tonto. esperando pelo almoço, cara lavada. apenas ria, cínico.
entrou. ela usava um andador. "pode ir por ali, é no final do corredor", apontando onde estaria o relógio da corda, na cozinha.
a velhinha, que tratava de maneira doce, agia com tamanho autoritarismo quando não estava falando comigo, assustava um pouco. "pode ir, fica lá". repetiu algumas vezes até que pudesse mexer e superar o fato de que era um estranho entrando numa casa estranha.
na cozinha uma mulher cortava legumes em cima da pia, fervia água, separava alguns potes. a velhinha, um misto de doçura com o estranho da rua, de estupidez com a mulher da casa.
um homem sai de um dos quartos, entra na cozinha, olha para mim.
pensei o motivo de precisar estar ali, se mais pessoas estariam na casa. "vim para ajudar com o relógio. ela me pediu", e com um sorriso tonto esperou consentimento do homem, que não parecia entender. como um bom macho, no terreno de outro. coisa de quem se acostuma a se dirigir ao "homem responsável pela casa". sem resposta. só uma expressão de condescendência.
o homem voltou para o quarto, reabriu o notebook e mergulhou de volta.
a mulher, que deixou a porta da geladeira aberta, agora deveria ouvir a bronca da velhinha por tanto desleixo. "não sabe fazer nada direito!!!". a mulher não dizia nada, mas tinha agressividade em cada gesto. ignorou a presença estranha, tinha mais o que fazer. eram duas da tarde. o almoço não estava nem na metade.
a velhinha no andador. o homem no computador. o relógio na parede.
o homem voltou, se apoiou no batente da porta que dava para o corredor, dessa vez com um riso confuso. ficou só olhando mesmo. a velhinha, "sobe nessa cadeira, é fácil. encaixe isso aqui nesse buraquinho e gire". voltou para a mulher, brigou mais alguma coisa, uma faca fora do lugar, "você não sabe fazer nada direito?!". o homem voltou. continuava olhando. o relógio estava no alto, a velhinha dera um tipo de chave, para girar a corda. corda tensionada, ponteiro ajustado no horário, duas e vinte.
"muito obrigado", a velhinha.
a mulher continuava cortando. irritada.
a velhinha, irritada com a mulher, satisfeita com o relógio arrumado, briga mais uma ou duas coisas. ou tantas já. foram só alguns minutos.
o homem, não estava irritado, não estava fazendo nada. apenas riso tonto. esperando pelo almoço, cara lavada. apenas ria, cínico.
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